HISTÓRIAS E CURIOSIDADES DA PANIFICAÇÃO E CONFEITARIA


BREVE HISTÓRIA DA PÂTISSERIE


O primeiro bolo de que se tem registro, era uma mistura rudimentar de azeite, farinha e mel chamada Obélias (oferenda) que data de cinco mil anos A.C., na Grécia. O bolo-oferenda representando animais era depositado no altar das divindades nas cerimônias rituais. Kribane, um bolo em forma de mama apelava pela fertilidade e abundância.
Logo os bolos rústicos passaram a marcar ritos de passagem das estações do ano e dos homens como aniversários, casamentos etc. cada vez mais enriquecidos com frutas como: figos, tâmaras, uvas passas; sementes tais como: semente de papoula e gergelim; e especiarias. Quatrocentos anos antes da Era Cristã já se degustava um bolo de queijo branco ou de mel de Ática, em Atenas.
O açúcar é originário da Índia e acreditava-se que teria sido criado por Vishwamitra para alimentar os deuses.
Os egípcios e os árabes foram os grandes responsáveis pelo refino e difusão do açúcar (sukkar em árabe) que chegou ao Ocidente com As Cruzadas no final do séc. X , quando então, era vendido em forma de cones compactos, chamados “pão de açúcar”, em Veneza. Trazido por épiciers, comercializados em boticários como medicamento para o tratamento de dor de cabeça, febre, epilepsia e melancolia, o açúcar era um produto muito raro e custava caro. A Sicília foi a primeira cidade do Ocidente a cultivar a cana-de-açúcar.
Em 1270 era possível comprar doces como filhós decorados com imagens religiosas e hóstias dos “oubloiers”, nas ruas de Paris, aos domingos e nas festas populares. Então, os “pasticiers-haschiers”, fabricantes de pastas de carne, animais de caça ou peixes, temperados com muitas especiarias e cobertas com gordura de boi ou banha de porco (terrines), faziam também o papel de anfitrião nos banquetes e festas de casamento que realizavam.
No final do séc. XIV as mercearias vendiam pães doces e um grande número de pessoas fabricava bolo.
Em 1533, o casamento de Catherine de Médicis com Henrique II da França, influenciou de forma decisiva a gastronomia francesa. Catherine trouxe de sua corte florentina além de cozinheiros italianos, uma nova maneira de comer. Nas sobremesas seu doceiro Popelini contribuiu com a Pâte à Choux, o Crème Frangipane e o Zabaglione, pudins de ovos, sorvetes, biscoitos e massas de amêndoas, além de geléias, compotas, doces e licores de frutas.
Era o Renascimento. As mudanças de atitude em relação à vida se manifestavam nas diversas formas de arte, consagrando também o gosto das elites sociais pela confeitaria.
Em Portugal o açúcar proveniente da Madeira e das colônias, resultou em uma arte doceira conventual. Com a facilidade do açúcar, livre de impostos, e a fartura de ovos e amêndoas, freiras habilidosas batizavam com nomes celestiais suas criações divinas.
Entre os sécs. XVI e XVII predominou o gosto francês. Foi a época da pasta de amêndoas e dos doces confeitados. As cortes reais européias recrutavam os melhores artistas do açúcar. Surgem os merengues, os macarons, o crème fouettée, o pain d’épice, modelado em formas de madeira, e numerosos biscoitos. As preparações passam a ser perfumadas com os licores italianos, assim como o uso do âmbar e de almíscar era freqüente. Porém, os doces ainda eram servidos entre as refeições e chamados de “entremets”. Os bolos eram confeccionados com muita elegância e beleza. Surgem os “Trionfi de tavola” - grandes esculturas feitas de açúcar para decorar as mesas.
Só a partir do séc. XVII é que a França passa a dispor do açúcar proveniente das Antilhas, mas seu preço ainda é bastante elevado. Reinavam Henrique IV e Maria de Médicis e La Verenne, era mestre cozinheiro de sua corte, o mais famoso chefe da época. Escritor internacionalmente respeitado por sua obra
Le Cuisinier françois”, La Verenne escreve “Le Pâtissier françois” e “Le Confiturier françois”, os primeiros livros dirigidos apenas aos confeiteiros.
Por volta de 1660, Paris viu surgir sua primeira sorveteria. Francesco Capelli um siciliano de cognome Procope, foi o grande responsável pela popularização do sorvete na França. Seu café proporcionava às mulheres a oportunidade de freqüentá-lo. Logo a cidade estava repleta de “limonadiers”.
O séc. XVIII se caracteriza por uma democratização maior da confeitaria, agora acessível também a burguesia. A manteiga começa a ocupar um lugar de destaque nas novas criações. O açúcar mais abundante, acelera o crescimento da Pâtisserie e desafia a criatividade dos confeiteiros. Surgem os caramelos e pralinés . Da leveza da massa folhada, surgem os “vol au vent”, os ”bouchées e “jalousies”. La Chapelle inova com a apresentação de bolos em colunas, crocantes e cremes de pistache, em seu livro “ Le cuisinier moderne”, em 1735; bem como os bolos decorados com violetas e os biscoitos aromatizados com jasmim de outros artistas anônimos. O sorvete e o chantilly estão no auge da moda.
A confeitaria vienense começa a se tornar conhecida no início do séc. XIX. Tanto a Sachertorte, criada em 1832, como o Apfelstrudel são acompanhamentos irresistíveis de um bom café ou do Chá das Cinco, inventado em 1830, pela Duquesa de Bedford, na Inglaterra. O hábito desta refeição leve, rapidamente conquistou adeptos em Paris que adotou etiquetas e importou louça fina para este fim. Os canapés, financiers, madeleines, brioches e croissants, petits-fours e petit choux faziam a alegria das madames e mademoiselles nas tardes parisienses.
A Revolução francesa mudara a cara da cidade que se viu com um número cada vez maior de confeitarias, pertencentes a confeiteiros oriundos das cozinhas dos nobres. Porém, o grande astro deste século foi, sem dúvida, Antonin Carême. Mestre incontestável da confeitaria ornamental, Carême criou os “pièces montées”, o croquembouche, o Gâteau de Savoie, a Charlotte russa, aperfeiçoou a massa folhada e o merengue. De sua confeitaria podia surgir de repente, fogos de artifício. Seus livros “Le Pâtissier Royal” e “Le Pâtissier Pitoresque” ensinavam aos jovens a importância da estética e do desenho. Seus discípulos Urbain Dubois e Jules Gouffé deram continuidade a seu trabalho de teorização da pâtisserie em suas obras “Le grand livre des Pâtissiers e confissiers” e “Le livre de pâtisserie”.
No final do séc. XIX, a confeitaria francesa atingia seu apogeu. Contudo, o exercício da profissão exigia enormes sacrifícios com tantas operações manuais: bater claras, afinar o açúcar, quebrar as amêndoas. O almofariz ou mortier (pilão de duas cabeças) era apelidado de “matador de aprendiz”. A conservação dos produtos também era um problema tão grave que resultava, muitas vezes, em intoxicações mortais. Até as mudanças de estação impunham um novo cardápio. Porém, o preço acessível do açúcar estimulava a abertura de novos estabelecimentos. Foi neste período que surgiram a Fauchon de Paris, considerada a delicatessen de maior prestígio no mundo, e as primeiras escolas de cozinha: Le Cordon Bleu e Ritz Escoffier. Auguste Escoffier tem uma participação decisiva na cozinha profissional, pois foi ele que classificou a atividade culinária em setores (garde-manger, entremettier, rôtisseur , saucier e pâtissier) interdependentes, além do legado de importantes publicações e discípulos que se encarregarão de divulgar a haute cuisine.

Surgiam os primeiros equipamentos refrigerados e os fogões a gás. Técnicas de pasteurização e conservação de alimentos e acondicionamento em latas transformavam o mercado de alimentos e facilitavam seu sistema de distribuição.
No início do século XX os confeiteiros franceses já possuíam um reconhecido “savoir-faire” e muitos seguiram brilhantes carreiras no exterior. A demanda crescente e incessante do profissional de cozinha decorrente, sobretudo, da efervescência do mercado turístico, impulsionou grandes transformações na indústria de equipamentos e no aperfeiçoamento de utensílios culinários.
Entretanto, foram tímidas as criações deste período: o bolo de chocolate, os cremes de manteiga aromatizados e os primeiros “gâteaux individuels”. Os bolos decorados com pasta de amêndoas e arabescos em glacê Royal trazendo personagens de Walt Disney foram a sensação do final da década de quarenta.
A partir dos anos 50 uma enxurrada de tecnologia invade as cozinhas. Câmaras frias, vitrines refrigeradas, freezers, batedeiras, fornos elétricos, laminadoras, etc. ao mesmo tempo em que surgiam novos materiais como o plástico, o celofane, as caixinhas de alumínio, sacos descartáveis. O cuidado com a higiene torna-se cada vez mais evidente com a criação de normas e exigências drásticas. Concursos de Pâtisserie acirravam as disputas individuais, estimulando a criatividade e promovendo a descoberta de novos talentos.
Gaston Lenôtre reverenciado como o “pai da Nouvelle Pâtisserie”, pesquisador incansável, autor de Meringue d’Automne, Gâteau Concorde, Charlotte Cécile; fundador da l’École Lenôtre destinada particularmente, ao aperfeiçoamento de profissionais; e de um complexo gastronômico com Café, Traiteur e Boutique – foi o referencial para todos os grandes astros que figuram no cenário gastronômico mundial como Pierre Hermé e François Payard.
O grande boom da confeitaria do final do séc. XX, trouxe as tortas montadas em aros, com bases de dacquois e biscuit joconde, mousses, bavarois, combinações inusitadas de especiarias e frutas exóticas. Os irresistíveis Gâteaux d’entremets parecem se perpetuar na sutileza dos sabores, texturas e formas surpreendentes e na riqueza inesgotável de detalhes. A inspiração para tanta criatividade repousa, enfim, em suas próprias tradições.

 
CANELLA-RAWLS, Sandra. Pão: arte e ciência. Editora Senac São Paulo, 2005.

GOMENSORO, Maria Lucia Coimbra de. Pequeno Dicionário de Gastronomia. Editora Objetiva, Rio de Janeiro 1999.